“A Ciência da Meditação”, escrito por Daniel Goleman [1]1 (1946 - ) e Richard J. Davidson2 [2] (1951 - ) está originalmente intitulado como “Altered Traits: Science Reveals How Meditation Changes Your Mind, Brain and Body”, que podemos traduzir como “Traços Alterados: Como a Meditação Muda Nossa Mente, Cérebro e Corpo”.
Para a presente resenha vamos focar em cinco Capítulos dessa obra, mais especificamente: o “4. O melhor que tínhamos”, “5. Uma mente imperturbável”, “7. Atenção!”, “13. Alterando traços” e “14. Uma mente saudável”.
Capítulo 4 – O melhor que tínhamos
Esse Capítulo aborda críticas a pesquisas feitas no passado, dentro do âmbito científico, da temática da meditação, incluindo um questionamento do que vem a ser ou se nomeia por mindfulness.
Ele começa descrevendo uma imagem em movimento, uma cena, de filme inicialmente “utilizado para ser uma advertência para marceneiros” (p. 55), mas que foi dado para um pesquisador de Harvard – Dan - e tornou-se uma ferramenta para “estímulo de estresse emocional” para pesquisas. Esse método de estimular o estresse dentro da pesquisa mostrou que “meditadores experientes” com frequência se recuperavam dele mais rapidamente do que “novatos na prática”.
Com o tempo surgiram críticas a esse experimento e “A Ciência da Meditação” explicita as falhas e vieses em relação ao mesmo, como por exemplo:
A forma de Dan se dirigir os dois grupos – o de “ensinados a praticar meditação” e o de dito “apenas relaxar” - levou a um resultado que pode ter sido tendencioso
Essa pesquisa não foi reproduzida
A utilização de “medidas sensíveis” - situação na qual as pessoas avaliam suas próprias reações –, nisso há a possibilidade de que a “sensação de ansiedade diminuída” pelos praticantes de meditação pode ter influencia da expectativa dos efeitos afirmados por eles, o que enviesa o que ele disse
Dan estava como praticante de meditação o que pode levar a um viés, mesmo que sem escolha consciente dele.
Outra dificuldade encontrada em pesquisas de meditação foram os muitos métodos, as várias práticas nomeadas com esse título, sendo que cada uma produz resultados diferentes.
Também foi visto como obstáculo ao pesquisar essa temática a falta de dados relativos a quantidade de horas - incluindo tempo e frequência - como fator importante a se observar.
Outro fator a se conscientizar está em incluir um grupo controle de não meditadores, mas que passam por uma intervenção – como o “Health Enhancement Program” ou “HEP” (“Programa de Otimização da Saúde”)- comparada com a Redução de Estresse Baseada em Mindfulness, como meio para definir se os efeitos provem especificamente da meditação ou de outras variáveis.
Esse programa inclui terapia musical com relaxamento, educação nutricional e exercícios de movimento- e exclui a meditação.
Em “O melhor que tínhamos” aparece uma reflexão - “O Que é Exatamente a Mindfulness?”, seguida de múltiplas respostas, muitos significados diferentes:
Como uma possível - e mais comum - tradução de “sati”, palavra vinda idioma páli
Significa para certas tradições meditativas a prática de observar quando a mente se distrai, após o foco da atenção em um objeto específico, seguida de distração e retorno ao objeto de início
Segundo Jon Kabat-Zinn uma atenção com propósito voltada ao momento presente com uma determinada atitude – a de não-julgamento
O capítulo segue com análise de como algumas medidas de mindfulness foram feitas e os problemas relacionados a elas - como a de correlação positiva entre mindfulness e a embriaguez e de um estudo em que meditadores avançados e experientes – com média de 5800 horas e 11 mil horas de prática, respectivamente) não apresentaram diferenças em relação a um grupo de não meditadores em dois questionários usais para medir mindfulness – talvez porque os que meditam estão mais conscientes das divagações próprias de sua mente. Sobre isso Goleman e Davidson explicam que o uso de autorrelatos em pesquisa pode resultar em distorção dos dados, o que influenciou Richard a aplicar uma medição de comportamento, mais específica: “a capacidade de manter o foco à medida que contamos a respiração, uma a uma.” (p.69).
Os autores terminam essa parte do livro comentando em geral sobre as pesquisas atuais na área da meditação, dizendo que elas comumente estão aquém do rigor metodológico adequado, que o volume de pesquisas desse tema tem aumentado e que muitos desses estudos estão associados às alterações de traços descritas na literatura de muitas tradições espirituais - nisso a fonte tradicional oferece hipóteses de trabalho para pesquisa moderna, inspiradas em conhecimento do passado.
Capítulo 5 – Uma mente imperturbável
Em “Uma mente imperturbável”, Dan e Richie, contam da sua aproximação com Jon Kabat-Zinn, e os “insights” dele para a criação do MBSR – o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness, e como adaptou práticas que conhecia para um tratamento possível para dor. Nisso ressalta-se um ponto-chave: “é possível registrar e então investigar e transformar a relação com o que quer que estejamos sentindo em um determinado lugar do corpo, mesmo que seja muito desagradável.” (p. 76).
Após, isso acrescenta se que o MBSR reivindica o benefício de poder melhorar “como as pessoas podem lidar com o estresse.” (p. 76).
Philip Golding estudou o quão impactante o MBSR poderia estar em relação a reação de estresse. Ele apresentou às pessoas, estressores, essas que com dois modos de usar a atenção: atenção (mindful awareness) da respiração e distração aritmética. Os efeitos foram diferentes: só a mindfulness da respiração diminui a atividade da amígdala, fortaleceu a atividade nas redes de atenção do cérebro e os que meditaram narravam menos reação em relação ao estresse.
Em seguida, os autores contam como conheceram Alan Wallace, que foi o criador do programa Treinamento em Atenção Plena e que descobriu que a Atenção Plena acalmava a amígdala, em pesquisa na qual meditadores recentes– praticaram meditação somente vinte minutos por dia, durante uma semana, sem exposição anterior a essa prática - foram expostos a imagens “de tenebrosas vítimas de queimaduras e fofos coelhinhos” (p. 78-9) no estado de consciência cotidiano e logo depois durante a prática de mindfulness. Durante o exercício meditativo, os meditadores versus não meditadores, tiveram uma reação amigdalar expressivamente menor. Ao pesquisaram desse jeito – o estado da amígdala no momento de prática da Atenção Plena – o resultado indica um efeito temporário, o de “estado alterado”, e não um mais constante, o de “traço alterado”.
Outra pesquisa da meditação: foi usado um estimulador termal que aumenta a temperatura, para testar o limiar dor, mas não queima a pele.
Entre a descrição desse experimento e a continuação da descrição dessa pesquisa, uma importante afirmação, sobre a ideia de “traço alterado”, aparece no texto: “Estados de consciência no início alcançados apenas na sala de meditação pouco à pouco se tornam contínuos em toda e qualquer atividade” - disse Ruth Sasaki (p. 80). Concepção firmada nesse mesmo parágrafo, que aparece no zen, a de que o estado mental das sessões de meditação acaba por estender para o cotidiano.
Voltando a falar sobre a experiência do estimulador térmico: os estudantes zen mais experientes suportaram mais dor do que o grupo controle, e assim, como apresentaram pouca atividade nas regiões relativas “à execução, avaliação e emoção durante a dor” (p. 81). Sintetizando, os praticantes de meditação reagiam à dor como se ela fosse uma sensação neutra, o que nos indica a breve menção expressa no artigo dessa pesquisa, de um importante efeito de traço. Houve ceticismo perante esses dados, pela interpretação possível de que eles mostrariam autosseleção, a dos que permanecem praticando meditação e quem para, expressando de outra forma: as pessoas que continuam exercitando a meditação podem já ter esse traço – nesse caso específico o de alto limiar à dor.
Pesquisa posterior, de Cliff Saron - coautor de artigos de Richie - doutor em neurociência pelo Albert Einstein College of Medicine, junto com Alan Wallace, fizeram um dos poucos estudos longitudinais da meditação até o momento.
Esse estudo – o Projeto Shamatha-, chegou à conclusão de que os traços positivos encontrados em meditadores de longo prazo não se devem simplesmente à autosseleção, citada acima – e ao refletir sobre essa afirmação, os autores viram que ela direciona o conhecimento para a ideia que provavelmente os “estados”, com a prática/ treinamento meditativo, tornam se “traços” - ao menos no caso de estresse.
Logo depois, a próxima subseção do capítulo, apresenta pesquisa em que se aplicou um teste - o Trier Social Stress Teste - TSST – o “teste de estresse social (da universidade) de Trier”, que mostrou como resultado: os meditadores tiveram um menor aumento de cortisol durante o estresse – esses também reagiram com menos estresse ao TSST, do que os não meditadores, isso tudo não durante a prática meditativa, mas em estado de repouso.
Com os mesmo praticantes de meditação da pesquisa com TSST, foi utilizado o escaneamento cerebral e eles foram submetidos a imagens perturbadoras. Observou-se então que o cérebro deles mostrava uma menor reatividade na amígdala, em outras palavras, eles estavam “imunes ao sequestro emocional”. O motivo dessa característica: “seus cérebros tinham conectividade operativa mais forte entre o córtex pré-frontal, que governa a reatividade, e a amígdala, que dispara essas reações.” (p.86).
O último tema, abarcado no capítulo, é a investigação de Richei, em que repete a pesquisa acima com indivíduos que passaram pela vivência do MBSR – um total de trinta horas. Eles mostraram menor reatividade da amígdala, em comparação com o grupo de praticantes – do parágrafo – acima: eles apresentaram também essa diminuição, mas diferente do meditantes do MBSR, os meditadores de longo prazo tiveram como acréscimo o “fortalecimento da ligação entre o córtex pré-frontal e a amígdala.” (p. 86). Dados, esses que sugerem que quando “o momento presente se torna desagradável (...) a capacidade de administrar o estresse (…) será maior nos meditadores de longa data” (p. 86).
Capítulo 7 – Atenção !
A primeira parte do “Atenção !” expressa simplesmente uma introdução sobre a atenção. Continua, com o conceito de habituação e exemplificando-o: em um experimento, foi medida a atividade elétrica do cérebro de monges, enquanto eles meditavam e escutavam uma série de sons, nisso três desses experimentandos, que estavam como meditadores avançados tiveram uma forte reação igual do primeiro ao vigésimo som. Era esperado que o cérebro se “desligaria”, sem reagir ao décimo e menos ainda ao último (vigésimo) – e não foi o que ocorreu.
Esse “desligamento” tem o nome técnico de “habituação”, que ocorre a partir de “prestarmos a atenção em algo incomum apenas o tempo suficiente para ter certeza de que não oferece ameaça, ou simplesmente para categorizá-lo” (p. 107) até que a habituação “entra em cena”, poupando energia cerebral e “apagando” que percebemos como seguro.
Na experiência, de Dan e Richie, de mindfulness transformou o habitual e cotidiano, com a presença no aqui-agora, como algo novo e anulando o efeito/fenômeno de “habituação”. Na opinião deles, viam a mindfulness como “uma mudança voluntária do desligamento reflexivo.” (p. 108).
Um pouco antes no texto, Richard cita William James (p. 106): “A faculdade de trazer repetidamente de volta uma atenção divagante é a própria raiz do juízo, caráter e vontade (…) uma educação que enfatizasse essa faculdade seria a educação por excelência.” - e Richie encontrou o treino dessa faculdade, a “educação por excelência” na meditação.
A segunda parte deste capítulo, também versa sobre a atenção. Nela retomasse a ideia de W. James, que a via como uma função isolada, mas para a ciência, ela constitui de diferentes capacidades, a de (p. 110):
Prossegue-se com o tema principal – do capítulo-, que discorre sobre a atenção e cada uma dessas capacidades atencionais, então, termina discutindo em torno da duração/permanência dos efeitos benéficos da meditação.
Capítulo 13 – Alterando traços
Este capítulo inicia-se com um resumo da parte anterior, revisitando pesquisas. Segue-se dividindo meditadores em três grupos, de acordo com o tempo dedicado à meditação: (1) iniciantes (apenas sete horas), longo prazo (de mil a 10 mil horas) e iogues (média de 9 mil à 27 mil – medindo até 63 mil). Adiante, o texto compreende de uma dissertação sobre os efeitos da meditação sendo que inicialmente o impacto da mesma costuma a estar mais como subjetivo, com cerca de 30 horas (ao longo de oito semanas) aparece menor reatividade da amígdala. Ao longo prazo alguns benefícios aprofundam e outros emergem; já no nível iogue parecem apresentar mudança estrutural e funcional do cérebro.
Já à frente, do “Alterando traços”, acrescenta-se que em meditadores avançados o cérebro em estado de repouso mostra-se semelhante ao meditativo e que um teste para saber se a pessoa está em um “estado” ou um “traço” está nas provações do dia a dia.
O assunto passa para a maestria da meditação e que mesmo após as 10 mil horas de treinamento em meditação, os praticantes continuam a melhorar sua habilidade, que um retiro pode oferecer efeitos diferentes em relação ao uma prática diária por – essa primeira – contar professores, adicionada de intensidade do treino e o silêncio. Ressalta-se aí uma importância de um acompanhamento de alguém mais experiente.
Outro tópico em que se reflete, nesse texto, está sobre quais tipos de meditação são úteis para quais pessoas? Esse questionamento surge devido à constatação que todas as meditações estão como uma “uma porta para além da experiência comum.” (p. 218), sendo então semelhantes às outras, mas ao mesmo tempo únicas.
Salienta-se também que a meditação, historicamente tem como meta o desenvolvimento dos traços alterados. Na modernidade muitas coisas das tradições espirituais foram deixadas de lado. Tradicionalmente elas incluem “componentes importantes da prática contemplativa que são não a meditação em si.” (p. 224).
Assim fala se um pouco mais sobre as outras vaiáveis que podem influenciar a aquisição dos “traços” e fecha com um comentário sobre o despertar de Sidarta Gautama e um resumo geral desse capítulo.
Capítulo 14 – Uma mente saudável
O último capítulo, o décimo quarto, expõe que uma desculpa comum para não meditar está em não ter tempo para praticar a própria meditação. Logo, passa se a abordar sobre aplicativos para meditação, assim como a meditação em geral no contexto organizacional e da educação. Expressa se em relação a “musculação da mente”, finalizando com uma revisão da trajetória, a “Jornada” da “neurociência contemplativa”, até tempos recentes, quando esta atingiu a maturidade.
Análise Crítica do Resenhista
O livro propõe uma “caminhada” pela História da “neurociência contemplativa” e faz jus à proposta. O que posso complementar aqui seria sugerir empreendimentos futuros – a partir do que já foi feito - que façam diálogo entre Ciência e as Tradições Espirituais, investigando:
Semelhanças (e/ou diferenças) entre a ideia de “estados” e “traços” com o conceito de “experiências de pico/culminantes” e de “experiências platô” de Abraham H. Maslow, fundador da Psicologia Humanista e da Psicologia Transpessoal
Semelhanças (e/ou diferenças) entre a concepção de “bondade básica intrínseca” – consistente com alguns resultados de estudos - e a visão de ser humano da Psicologia Humanista – em que ele tende à bondade.
Referência
GOLEMAN, Daniel; DAVIDSON, Richard J. A Ciência da Meditação: como transformar a mente, o cérebro e o corpo. 1 ed. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.
[1] Reconhecido por divulgar a Inteligência Emocional e escrever vários livros sobre meditação - “A Arte da Meditação” e “A Mente Meditativa: as Diferentes Experiências Meditativas no Oriente e no Ocidente”, além do livro de que estamos falando nesta resenha.
[2] Doutor em Psicopatologia e Psicofisiologia pela Universidade de Harvard e cientista da Universidade de Winsconsin-Madison onde trabalha no Laboratório de Neurociência Afetiva com tecnologia avançada de imagem cerebral - Tomografia por Emissão de Positrões e Ressonância Magnética Funcional, e outras tecnologias computorizadas como a electrofisiologia quantitativa – pesquisando o cérebro e a meditação.
Update (29/08/2002)
Mais resenhas?
Por Que o Budismo Funciona: Como a psicologia evolucionista e a neurociência explicam os benefícios da meditação–Resenha:
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O Cérebro e a Inteligência Emocional: Novas Perspectivas – Resenha:
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A Revolução do Altruísmo – Resenha:
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