A presente resenha tem como base o livro “A revolução do altruísmo”, escrito por Matthieu Ricard (1946 - ), e enfocará os Capítulos Um e Dois dessa obra.
Capítulo Um
Este capítulo cobre as diversas definições e conceitos do tema principal do livro, o “altruísmo”. Ele começa questionando se o “altruísmo” seria um estado ou traço de carácter. Matthieu Ricard coloca que existem muitas definições e que algumas delas estão como contraditórias.
Adiante, mas no mesmo capítulo, diz-se sobre a raiz etimológica da palavra “altruísmo” e sobre o primeiro uso dessa mesma expressão. Em seguida, mostra-se o conceito de acordo com Thomas Nagel, Stephen Post e o nome dado a essa atitude – de altruísmo – em outras línguas: ágape, maitri e karuna.
A abordagem do tema central desse livro está que alguns autores enfatizam ”a passagem à prática, enquanto outros consideram que é a motivação que define o altruísmo e qualifica nossos comportamentos.” (p. 39).
Durante o Capítulo explicasse sobre a carreira, de Daniel Batson, que a dedicou ao mesmo tema nuclear, do livro de Ricard, resenhado aqui. Analisa se a concepção do tema, segundo Kristen Monroe, que afirma da importância de boas intenções, mas que é preciso agir com o objetivo de “contribuir para o bem-estar do outro.” (p. 40) e correr algum risco.
A ideia acima recebe reforço, com o dizer de Ricard, sobre o altruísmo se caracterizar pela motivação, diferenciando-a assim de um comportamento egoísta, mas – acrescenta – não podemos definí-lo “com base na simples constatação de suas consequências imediatas.” (p. 42) e – adiciona que – podemos examinar nossas motivações e discriminar se estão como egoístas ou altruístas.
Matthieu expressa que “Atribuir mais valor ao outro” e “sentir-se envolvido em uma situação” como “componentes essenciais do altruísmo.” (p. 42) e posiciona “O fato de sentir alegria em fazer o bem ao outro, ou de extrair além disso os benefícios para si mesmo, não torna em si um ato egoísta.” (p. 42) e que não necessita de nosso sofrimento para estar categorizado como altruísta, o “sacrifício” está como relativo, sendo que este está para alguns como uma realização e ilustra essa situação com uma história.
Para Ricard, fazer altruísmo inclui considerar as necessidades dos outros – segundo Swamiprajnanpad também, deve: “estar perfeitamente adaptado à realidade e necessidades do outro.” (p. 43) – e não “projetar” nada sobre o outro. O autor do livro detalha ainda que existe uma defasagem entre “os programas de ajuda” (p. 43) e a necessidade e aspirações da população auxiliada.
Apresenta-se então que o “altruísmo” no pensamento de Daniel Batson está como um “estado” (transitório - força que desaparece quando se alcança o objetivo) e descreve que a pessoa pode ter uma mescla de motivações que contém altruísmo e egoísmo, ao mesmo tempo.
Ricard expõe a possibilidade de falarmos de uma disposição altruísta – algo como um traço de personalidade (mais ou menos permanente, diferenciado dessa ideia para Daniel Batson, que o coloca como um “estado”) - divido entre: “altruísmo incondicional” e “altruísmo restrito”.
O livro cita também o tema central/essencial – o altruísmo – como valor pessoal e comportamento pró-social, por exemplo: o voluntariado – estendendo esse até como uma maneira de ser ou jeito de ser.
Capítulo Dois
O Capítulo inicia com uma epígrafe sobre a expansão da repercussão do altruísmo. Passa-se colocando de que existe a facilidade e naturalidade de estarmos como benevolentes em relação às pessoas próximas ou bem-intencionadas em relação a nós e a dificuldade de estendê-la à muitas pessoas ou pessoas mau intencionadas em relação à nossa pessoa. Porém podemos “treinar mentalmente” o altruísmo. Mattieu Ricard diz que abordará os métodos para esse treinamento. Tendo como objetivo não promover uma atitude espiritual ou espiritualista, mas o valor universal vindo da filosofia e prática budista, de modo que não vá contra nenhuma religião, mas que não dependa de nenhuma delas.
O budismo conceitua “altruísmo” como “o desejo que todos os seres encontrem a felicidade e as causas da felicidade.” (p. 46). E como “felicidade” não está como o conceito de transitório “de bem-estar ou sensação agradável” (p. 46), mas que tem bases diversas qualidades, incluindo o “altruísmo”. E narra uma citação do Dalai Lama que propõe: “Para sentir uma compaixão e uma benevolência verdadeiras para com o outro devemos escolher uma pessoa real como objeto de meditação e aumentar nossa compaixão e nosso amor benevolente em relação a essa pessoa, antes de estende-lo a outros. Trabalhamos com uma pessoa de cada vez; caso contrário nossa compaixão corre o risco de diluir-se em um sentimento muitíssimo generalizado e nossa meditação perderá concentração e força.”1 (p. 47).
Ricard considera o amor altruísta como benevolência incondicional para com todos. Para ele, as “causas do sofrimento” incluem causas imediatas e visíveis, assim como as profundas, tendo como essência a ignorância – que significa “compreensão errônea” (p. 47) que se desdobra ao “cultivo de estados mentais perturbadores” (p. 47) que funciona em um ciclo vicioso.
O altruísmo tem duas faces: a benevolência e a compaixão – a primeira deseja a felicidade, enquanto a segunda a cessação do sofrimento – faces que podem durar enquanto algum ser estiver sofrendo.
A definição do livro para empatia está “como a capacidade de entrar em ressonância afetiva com os sentimentos do outro, e de conscientização de sua situação” (p. 48) e sinaliza a intensidade do sofrimento do outro e desenvolve a transformação do amor altruísta em compaixão.
O Capítulo continua, colocando-se o altruísmo em um contexto de não satisfazer “todos os desejo (…) dos outros” (p. 48) de forma irrestrita, ele “deve ser iluminado pela lucidez e sabedoria” (p. 48), sendo uma atitude de bondade sem limites, com discernimento sem falhas. Deve se considerar todo o contexto, o sistema e interações da situação. Ele – o altruísmo – deve agir de modo imparcial.
Após isso, na próxima seção do texto vemos o conceito de regozijo que significa estar alegre pela alegria dos outros.
Um trecho dessa seção expressa que o altruísmo pode levar a “atitudes parciais” (p. 48) – o que ocorre, por exemplo, quando damos mais atenção a uma criança por nos ser mais simpática, enquanto outras precisam mais de nossa ajuda. E acrescenta que devemos estendo a atitude altruísta para os animais, ou melhor dizendo, para todos os seres independente de qualquer situação ou característica (que esse ser possui).
A seção seguinte fala sobre superar o medo, que faz parte do altruísmo a coragem e que para intensificar nosso comportamento altruísta precisamos desenvolver a, própria, coragem.
O texto prossegue dizendo que quanto maior nossa compaixão, maior nossa motivação para o alívio de sofrimento. Que precisamos identificar precisamente a necessidade do outro e a “necessidade última de todo ser vivo” - de acordo com o budismo - está de estar em estado liberto do sofrimento.
Passa-se então a classificação – segundo o Dalai Lama – para os dois tipos de altruísmo: o natural e o expandido – com o primeiro a pessoa já o tem e não necessita de treinamento, ocorre principalmente no “amor parental (…) [nos] laços de parentesco” (p. 50) e está como “limitada e parcial” (p. 50). Já o oposto do altruísmo natural, o altruísmo expandido, funciona ao contrário: está como imparcial e precisa (para a maioria das pessoas) de treinamento.
A extensão do altruísmo desdobra-se em duas “etapas principais” (p. 51): (1) a de percebermos as necessidades e a de (2) darmos valor a muitos, a todos os seres – indo além de círculos sociais mais próximos. E Darwin focou nessa expansão – a todos os seres - e considerava-a necessária – e Einstein falou de ampliar a compaixão incluindo “todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza.” (p. 51).
Está motivação de expandir o altruísmo, tem início na conscientização de que não quero sofrer, nisso me projeto e, assim, compreendo a consciência do outro ser, entendendo que eu, como ele, também não quer sofrer, e que nós desejamos nos libertar “do sofrimento” (p. 51).
Existem pessoas que vivenciaram condições não propícias para se desenvolver e diante dessa situação temos que ela se automutila e/ou acaba com a própria vida – o que ocorre por “falta de amor, de sentido, de autoconfiança e ausência de direção clara em suas vidas” (p. 52). Essas ações expressam desespero, pedido de ajuda e mostram o não saber “encontrar a felicidade, ou estejam impedidos pela brutalidade das condições externas.” (p. 52).
O altruísmo e a compaixão têm dois aspectos não definidamente separados: o aspecto cognitivo e o emocional. A primeira compreende em diferenciar “as causas imediatas ou duradouras, superficiais ou profundas dos sofrimentos do outro e ter a determinação de soluciona-los” – sendo algumas das características desse aspecto. Já o segundo aspecto, o emocional inclui: “emocionar-se com o sofrimento do outro, sofrer por ele estar sofrendo, ficar alegre quando ele está alegre, e triste quando está aflito” (p. 52). Então o livro esclarece que a “causa fundamental do sofrimento é a ignorância” (p. 52) que consiste e tem raiz “no ódio, na avidez, no egoísmo, no orgulho, na inveja e em um outros estados mentais” (p. 53) chamadas no budismo de “toxinas mentais”. Salienta, também que essa “ignorância”, causa do sofrimento, não está como simplesmente falta de informação, mas como uma distorção da percepção da realidade. Essa distorção, ou ilusão, está em percebermos “o mundo exterior como uma série de entidades autônomas às quais atribuímos características que lhe parecem próprias.”, que aparecem também como divididas estritamente em “agradáveis” e “desagradáveis” e o comportamento nesse processo percepção de dualidade. Acrescenta-se a percepção de “eu” ou ego, que “nos parece real e concreta.” (p 53).
Após essas considerações, reflete-se sobre o conceito de Daniel Batson de altruísmo e a necessidade dentro do budismo de desfazer a ilusão. Considera-se sobre a impermanência que Buda “apontava” o “caminho”, por qual ele passou. No entanto ele dizia para seguirmos por nós mesmo e chegarmos a conclusão sozinhos, não simplesmente acreditando no que ele falava. Ele nos deixou um “mapa”, mas nós podemos ir ao “território”, por nós mesmo, em outras palavras, “trilhar” essa “via”. Desse modo o Capítulo prossegue colocando sobre a libertação da ilusão.
Expõe, em seguida, a presença do amor altruísta e a compaixão “não como recompensa” (p. 54) e sua ausência não como punição. E que esses elementos, altruísmo e compaixão não tem base em julgamentos morais, mas não o excluem.
Enumera e descreve as Quatro Nobres Verdades: (1) a verdade do sofrimento, (2) das causas do sofrimento, (3) da cessação do sofrimento e (4) do caminho para a cessação. Termina desenvolvendo a temática dessa libertação do sofrimento e da ignorância, na visão budista: o nirvana.
Crítica
Os dois primeiros Capítulos da “revolução do altruísmo” demonstram uma linha de raciocínio, que para apreende-la, em todo a sua toda a sua extensão necessita-se de uma leitura atenciosa. Aborda os diversos conceitos de “altruísmo” e desenvolve alguns desdobramentos a partir daí, sendo o ponto que considero mais relevante está em colocar como possibilidade o treinamento do altruísmo.
Recomendação
Recomendo esse livro para os interessados em “atenção plena” - ou “consciência plena”- dentro e fora do Budismo – o “mindfulness laico”-, além de mais especificamente àqueles interessados no desenvolvimento da meditação compassiva – aquela que deseja a libertação do sofrimento – e a de amor-bondade – que visa à felicidade.
1 Reflexão sobre a prática.
Referência
RICARD, Matthieu. A revolução do altruísmo. Tradução: Inês Polegato. Revisão Técnica: Lucia Benfatti, Martha Gouveia da Cruz, Tamara Barile. São Paulo: Palas Athena, 2015.
Update (29/08/2002)
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